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A tradição religiosa da subida ao morro da Santa Cruz

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O dia 03 de maio é a data em que se comemora tradicionalmente, “a subida ao Morro da Santa Cruz”, por parte da comunidade de Ipueiras e das localidades adjacentes. Não se trata, no entanto, de uma escalada comum, sem qualquer significado. Ao contrário, essa é uma comemoração bastante antiga, pois ela vem ocorrendo há muito tempo, repetindo-se a cada ano por ocasião da data mencionada. Por isso, representa algo de extrema importância e um real e tradicional valor para todos nós que fazemos parte da referida comunidade. Desse modo, podemos afirmar que esse evento comemorativo está arraigado e estritamente relacionado à vida e à história do nosso povo, do meu bairro Ipueiras de Picos, passando, portanto, a fazer parte do folclore e da cultura local.

Morro da Cruz - Foto: Edimar Luz

Morro da Cruz – Foto: Edimar Luz

Cumpre lembrar que o Morro da Santa Cruz, ou “Quebra – pescoço”, como é mais conhecido, apresenta, na realidade, um aspecto cônico e peculiar muito interessante, se observado ou visto de certos ângulos: assemelha-se a uma pirâmide ligeiramente arredondada, em cujo “ápice” encontra-se uma cruz secular, fincada, provavelmente, em meados do século XlX, com a participação dos moradores da região, por certos missionários religiosos, numa demonstração de fé, e talvez, também, para indicar um fato trágico e lendário ali ocorrido há muito tempo. Aliás, é bom lembrar que a cruz é um símbolo de fé de todos os cristãos. Em virtude do tempo, essa antiga cruz de madeira exposta no cume do referido morro, encontra-se já bastante desgastada e um pouco deformada, apesar de a mesma ter sido elaborada utilizando-se uma madeira altamente resistente à ação de alguns agentes naturais e às transformações do tempo. Dizem que é de aroeira, uma árvore que conhecemos bem e que é típica da região.

Na verdade, existem controvérsias quanto à origem da “lenda” ou história concernente ao fato ocorrido naquele morro. Entretanto, devemos considerar que a mais aceita é aquela que admite que ali, nas proximidades do bairro Ipueiras, existia antigamente o costume de se comemorar a Ressurreição de Cristo, através da doação de uma rês, ou mais esclarecidamente, um boi, que seria campeado na serra.

Todavia, um certo ano, um vaqueiro, elemento humano mais característico das chapadas do Sertão nordestino, saiu em seu cavalo, em companhia também de um cachorro(cão) à procura da tal rês, quando, na perseguição, todos em veloz disparada, num momento infausto, caíram inesperadamente num abismo ou declive abrupto que existe no morro, quebrando-lhes o pescoço e,  consequentemente, os quatro tiveram morte imediata ou instantânea. Essa rês era talvez um barbatão, pois certamente uma rês mansa não esboçaria tamanha sagacidade. Não é completamente infundada a ideia de que esse fato tenha realmente acontecido. Logicamente, até parece ser fictício, ou um mito.

Morro da Santa Cruz, foto VIII, de Edimar Luz

No tocante à sua localização, é importante perceber que o Morro da Santa Cruz, do “Quebra – Pescoço”, ou, ainda, Morro do Vaqueiro, fica situado a cerca de quatro quilômetros do centro da cidade, à margem esquerda da rodovia estadual que liga Picos à cidade de Bocaina, nas proximidades do Bairro Ipueiras.

Cumpre também destacar que, ao subir ao Morro, encontramos um cenário simples, mas bastante agradável. Muitos rezam e alguns pagam promessas ao pé da cruz, num ato de Fé Cristã. Deixavam-se, outrora, algumas pequenas oferendas pecuniárias sobre a antiga cruz de madeira. Os mais antigos tinham o hábito de deixar gravadas as marcas de seus pés sobre o rochedo existente próximo ao declive abrupto que fica para o sol nascente ou leste.

Lembro-me de que, num certo ano da década de setenta, um grupo de jovens do lugar escalou o Morro entoando a música “A Montanha”, do Rei Roberto Carlos. Vale lembrar, ainda, que as comemorações e as visitas em romaria local se iniciam a partir das primeiras horas da manhã do dia três de maio, ou seja, desde o alvorecer, quando são utilizados, inclusive, fogos de artifícios; e todos sobem por uma vereda ou trilha sinuosa que dá acesso ao cume ou topo do Morro, num vaivém praticamente incessante. As comemorações estendem-se até o entardecer, quando o Morro vai-se esvaziando paulatinamente e ficando deserto até o ano seguinte, por ocasião da data comemorativa. Como se pode observar, trata-se de uma comemoração de certa forma um tanto simples e de caráter religioso, mas com um grande valor cultural, histórico e tradicional, uma vez que é praticada com bastante atenção, respeito e seriedade, repetindo-se a cada ano, de geração a geração.
Em última instância quero aqui ressaltar que este artigo de minha autoria, ou seja, por mim produzido no ano de 1993 e que já publiquei em vários jornais e revistas de Picos ao longo desses anos, faz parte do meu livro Memórias do tempo, que estou escrevendo temporariamente desde os anos 90.
Portanto, nos termos da lei que resguarda os Direitos Autorais (Lei 5.988, de 14/12/73), é proibida a reprodução total ou mesmo parcial deste texto sem minha permissão ou autorização por escrito.
(*)Edimar Luz, é escritor, professor e sociólogo formado em Recife (PE).

Picos, 03 de maio de 1993.

 

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