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Câncer atribuído a talco obriga Johnson & Johnson a pagar bilhões em indenizações

Johnson & Johnson sabia há décadas da presença de asbesto em seu talco

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Darlene Coker sabia que estava morrendo. Ela apenas queria saber por quê.

Ela sabia que seu câncer, mesotelioma, surgiu em uma membrana delicada que cerca seus pulmões e outros órgãos. Ela sabia que era tão raro quanto mortal, um sinal de exposição a asbesto (amianto). E ela sabia que afligia principalmente homens que inalavam pó de asbesto em minas e indústrias como a naval, que usavam o carcinógeno antes de seus riscos serem conhecidos.

Embalagens de talco Johnson & Johnson na prateleira de uma drogaria em Nova York Imagem: Lucas Jackson/File Photo/Reuters
Embalagens de talco Johnson & Johnson na prateleira de uma drogaria em Nova York
Imagem: Lucas Jackson/File Photo/Reuters

Coker, 52 anos, criou duas filhas e tinha uma escola de massagem em Lumberton, uma pequena cidade no leste do Texas. Como ela foi exposta ao asbesto? “Ela queria respostas”, disse sua filha, Cady Evans.

Lutando para respirar e sofrendo dor debilitante, Coker contratou Herschel Hobson, um advogado de danos pessoais. Ele então encontrou um suspeito: o talco de bebê da Johnson’s que Coker usava em suas filhas e às vezes em si mesma durante toda sua vida. Hobson sabia que talco e asbesto com frequência ocorrem juntos na terra e que o talco minerado podia estar contaminado pelo carcinógeno. Coker processou a Johnson & Johnson, alegando que “talco venenoso” no amado produto da empresa seria o responsável pela morte dela.

A J&J não contou à FDA (a agência reguladora de produtos alimentícios e farmacêuticos dos Estados Unidos) que pelo menos três testes por três laboratórios diferentes de 1972 a 1975 encontraram asbesto no talco, em um caso em níveis considerados “altos”.

A empresa negou a alegação. O talco de bebê era livre de asbesto, disse. À medida que o caso avançava, a J&J conseguiu evitar de fornecer os resultados de testes do talco e outros documentos internos da empresa requisitados por Hobson para seu caso contra os talcos da linha Johnson’s Baby.

Coker não teve escolha a não ser desistir do processo, disse Hobson. “Quando você é o querelante, cabe a você o ônus da prova”, ele disse. “Nós não a tínhamos.”

Isso foi em 1999. Duas décadas depois, o material que Coker e seu advogado buscavam está vindo à tona, à medida que a J&J é obrigada a compartilhar milhares de páginas de memorandos, relatórios internos e outros documentos confidenciais da empresa com advogados de cerca de 11,7 mil querelantes que acusam o talco da empresa de lhes causar câncer, incluindo milhares de mulheres com câncer de ovário.

Um exame feito pela “Reuters” em muitos desses documentos, assim como o depoimentos e testemunhos em julgamento, mostram que desde pelo menos de 1971 até o início dos anos 2000, a matéria-prima e os talcos vendidos pela empresa às vezes deram positivo para pequenas quantidades de asbesto, e que os executivos da empresa, gerentes de minas, cientistas, médicos e advogados se preocupavam com o problema e em como tratá-lo, mas sem revelá-lo aos reguladores e ao público.

Os documentos também descrevem os esforços bem-sucedidos para influenciar os planos dos reguladores americanos para limitar a presença de asbesto em produtos de talco cosmético e a pesquisa científica sobre os efeitos do talco à saúde.

Uma pequena porção dos documentos foi apresentada em julgamentos e citada em reportagens na mídia. Muitos foram mantidos confidenciais por ordens da Justiça, o que permitiu à J&J entregar milhares deles. Grande parte do conteúdo deles é apresentado aqui pela primeira vez.

As primeiras menções à contaminação do talco da J&J encontradas pela “Reuters” são em relatórios de 1957 e 1958 por um laboratório consultor. Elas descrevem os contaminantes no talco da fornecedora italiana da J&J como tremolita fibrosa e acicular (em forma de agulha). Esse é um dos seis minerais que, em sua forma fibrosa natural, são classificados como asbesto.

Em várias ocasiões daí até o início dos anos 2000, relatórios por cientistas da J&J, laboratórios externos e do fornecedor da J&J apresentaram conclusões semelhantes. Os relatórios identificam os contaminantes no talco e nos produtos de talco cosméticos como asbesto ou os descrevem em termos que tipicamente são aplicados ao asbesto, como “forma de fibra” e “acicular”.

Em 1976, quando a FDA considerava limites ao asbesto em produtos cosméticos de talco, a J&J assegurou aos reguladores que nenhum asbesto foi “detectado em nenhuma amostra” de talco produzida entre dezembro de 1972 e outubro de 1973. Ela não disse à agência que pelo menos três testes por três laboratórios diferentes, de 1972 a 1975, encontraram asbesto em seu talco, em um caso em níveis considerados “altos”.

A maioria dos relatórios internos de teste de asbesto da J&J analisados pela “Reuters” não apontava asbesto. Mas apesar dos métodos de teste da J&J terem melhorado com o passar do tempo, eles sempre apresentavam limitações que permitiam que traços do contaminante permanecessem indetectáveis, sem contar que apenas uma fração minúscula do talco da empresa era testada.

A Organização Mundial da Saúde e outras autoridades reconhecem que não há nível seguro para exposição ao asbesto. Apesar da maioria das pessoas expostas nunca desenvolver câncer, para algumas até mesmo quantidades pequenas são suficientes para provocar a doença anos depois. Quão pequena pode ser essa quantidade ainda não foi determinado. Muitas querelantes alegam que as quantidades que inalaram quando aplicaram em si mesmas o pó de talco contaminado foram suficientes.

A evidência do que a J&J sabia surgiu após pessoas que suspeitavam que o talco era a causa de seus cânceres contratarem advogados com experiência de décadas de um grande número de processos envolvendo trabalhadores expostos a asbesto. Alguns dos advogados sabiam por meio desses casos anteriores que os produtores de talco realizavam testes para asbesto e começaram a exigir da J&J a documentação dos testes.

O que a J&J apresentou em resposta a essas exigências permitiu aos advogados das querelantes ajustar seu argumento: que o culpado não era necessariamente o talco em si, mas o asbesto no talco. Essa afirmação, apoiada por décadas de ciência sólida, mostrando que o asbesto causa mesotelioma e está associado a câncer de ovário e outros cânceres, teve certo sucesso na Justiça.

Em dois casos neste ano, em Nova Jersey e na Califórnia, os júris concederam grandes indenizações a querelantes que, como Coker, culpavam produtos de talco da J&J contaminados por asbesto por seu mesotelioma.

Um terceiro veredicto, em Saint Louis, foi um divisor de águas, ampliando a responsabilidade potencial da J&J: as 22 querelantes foram as primeiras a ter sucesso com a alegação de que os talcos das linhas Baby Powder (Johnson’s Baby) e Shower to Shower (Banho a Banho, uma marca que a empresa vendeu em 2012) contaminados com asbesto causaram câncer de ovário, que é muito mais comum que o mesotelioma. O júri lhes concedeu US$ 4,69 bilhões em indenizações. A maioria dos casos de talco foi impetrado por mulheres com câncer de ovário que disseram usar regularmente os produtos de talco da J&J como desodorante e antitranspirante perineal.

Ao mesmo tempo, pelo menos três júris rejeitaram as alegações de que o talco da linha Johnson’s Baby estava contaminado por asbesto ou causou o mesotelioma das querelantes. Outros não conseguiram chegar a um veredicto, resultando em anulação.

A J&J disse que apelará dos recentes veredictos contra ela. A empresa mantém em declarações públicas que seu talco é seguro, como mostrado por anos pelos melhores testes disponíveis, e que a informação que foi obrigada a divulgar em um processo recente mostra o cuidado que a empresa tem em assegurar que seus produtos são livres de asbesto. Ela atribuiu suas derrotas a confusão por parte dos jurados, à ciência mal-feita, decisões injustas nos tribunais e advogados ávidos em procurar por novos querelantes de casos de asbesto.

“Advogados em busca de ganhos financeiros pessoais estão distorcendo documentos históricos e criando intencionalmente confusão nos tribunais e na mídia”, escreveu Ernie Knewitz, vice-presidente da J&J para relações globais de mídia, em uma resposta por e-mail às conclusões da “Reuters”. “Isso tudo é uma tentativa calculada de desviar do fato de que milhares de testes independentes provaram que nosso talco não contém asbesto ou causa câncer. Qualquer sugestão de que a Johnson & Johnson sabia ou escondeu informação sobre a segurança do talco é falsa.”

 A J&J se recusou a fazer comentários adicionais para este artigo. Por mais de dois meses, ela recusou os repetidos pedidos para entrevistas com executivos da companhia. Em 8 de dezembro, a empresa se ofereceu a disponibilizar um especialista. Mas não o fez até a noite de quinta-feira.

A empresa encaminhou todas as perguntas para um advogado externo, Peter Bicks. Em respostas por e-mail, Bicks rejeitou as conclusões da “Reuters” como “falsas e enganadoras”. “O consenso científico é de que o talco usado em produtos para o corpo não causa câncer, independente do que haja no talco”, escreveu Bicks. “Isso é valido mesmo se, o que não é caso, o talco cosmético da Johnson & Johnson contivesse quantidades diminutas e indetectáveis de asbesto.” Ele rejeitou os testes citados neste artigo como resultados “fora da curva”.

No tribunal, os advogados da J&J disseram aos jurados que os documentos da empresa mostram que o asbesto detectado em seu talco se referia ao talco destinado a uso industrial. Outros registros, eles argumentaram, se referiam a formas não asbesto dos mesmos minerais, que seus especialistas dizem ser inofensivas. A J&J também argumentou que alguns testes encontraram “traços” de asbesto, fibras perdidas que podem ter contaminado as amostras após flutuarem em uma usina ou laboratório proveniente de um veículo ou isolamento.

A empresa apresentou alguns desses mesmos argumentos a respeito dos testes de laboratório realizados por especialistas contratados pelas querelantes. Um desses laboratórios encontrou asbesto em um talco Banho a Banho dos anos 90, segundo o relatório de 11 de agosto de 2017 presentes nos autos de um processo. Outro laboratório encontrou asbesto em mais da metade de múltiplas amostras de talco da linha Johnson’s Baby das últimas décadas, em embalagens presentes em armários das querelantes ou adquiridas pelo site eBay, até mesmo em uma embalagem do produto de 1978, presente no museu da J&J. As concentrações eram grandes o bastante para as usuárias “serem expostas, com maior probabilidade do que não”, como concluiu um relatório de laboratório apresentado pelas querelantes em vários casos neste ano.

Matthew Sanchez, um geólogo da consultoria RJ Lee Group Inc. e um perito que testemunha com frequência para a J&J, rejeitou essas conclusões em um testemunho no julgamento em Saint Louis: “Nunca encontrei asbesto em qualquer um dos produtos de talco atuais ou modernos, o que considero moderno, da Johnson & Johnson”, disse Sanchez ao júri.

Sanchez não retornou os telefonemas pedindo comentários. A RJ Lee disse que não comenta o trabalho realizado para seus clientes.

Desde 2003, o talco presente na linha Johnson’s Baby vendida nos Estados Unidos vem da China, fornecido pela Imerys Talc America, uma unidade da Imerys SA baseada em Paris e corre na maioria dos processos envolvendo talco. A Imerys e a J&J disseram que o talco chinês é seguro. Um porta-voz da Imerys disse que os testes da empresa “mostram de modo consistente que não há presença de asbesto. O uso seguro do talco é confirmado por múltiplas entidades científicas e regulatórias”.

A J&J, com sede em New Brunswick, Nova Jersey, domina o mercado de talco em pó há mais de 100 anos, com suas vendas superando as de todos os seus concorrentes somados, segundo dados da Euromonitor International. E apesar dos produtos de talco terem contribuído apenas com US$ 420 milhões da receita de US$ 76,5 bilhões da J&J no ano passado, o Johnson’s Baby é considerado uma faceta essencial dos produtos de saúde na imagem cuidadosamente construída da empresa, uma “vaca sagrada”, como colocou um e-mail interno de 2003.

“Quando as pessoas realmente entendem o que está acontecendo, eu acho que aumenta milhares de vezes a exposição da J&J”, disse Mark Lanier, um dos advogados das mulheres no caso de Saint Louis.

A crescente controvérsia cercando o talco da J&J não abalou os investidores. O preço das ações subiu cerca de 6% até o momento neste ano. Os casos de talco representam menos de 10% de todos os processos de danos pessoais impetrados contra a J&J, com base no relatório trimestral de 2 de agosto da empresa, no qual esta disse acreditar que há uma “base sólida para apelação”.

O presidente-executivo da J&J, Alex Gorsky, prometeu continuar lutando, dizendo a analistas em julho: “Permanecemos confiantes de que nossos produtos não contêm asbesto”.

O comentário de Gorsky, repetido em inúmeras declarações da J&J, ignora um ponto crucial. O asbesto, assim como muitos carcinógenos ambientais, apresenta um longo período de latência. O diagnóstico geralmente ocorre anos após a exposição inicial, 20 anos ou mais no caso do mesotelioma. Os produtos de talco da J&J podem ser seguros hoje, mas o talco em questão em milhares de processos foi vendido e usado ao longo dos últimos 60 anos.

Esse ponto é reconhecido em um comentário para correção de uma declaração de 2013 para a página “Compromisso com a Segurança e Cuidados” do site da J&J. A versão original oferecia uma garantia geral de segurança. A versão editada era menos definitiva: “Nossos produtos baseados em talco sempre foram (não podemos dizer “sempre”) livres de asbesto, como confirmado por testes regulares desde os anos 70″.

‘Segurança em primeiro lugar’

Em 1886, Robert Wood Johnson convidou seus irmãos mais novos para abertura de uma empresa levando o nome deles e construída em torno do lema “Segurança em Primeiro Lugar”. O talco Johnson’s Baby surgiu de uma linha de emplastros medicinais, fitas adesivas de borracha contendo mostarda e outros remédios caseiros. Quando clientes se queixavam de irritação na pele, os irmãos enviavam pacotinhos de talco.

Logo, mães começaram a aplicar o talco na pele irritada pela fralda dos bebês. Os Johnsons notaram. Eles adicionaram uma fragrância que se tornaria uma das mais reconhecidas do mundo, peneiraram o talco em caixas de lata e, em 1893, começaram a vendê-lo como talco Johnson’s Baby.

Nos anos 50, a J&J descobriu que o talco da mina de sua principal fornecedora para o mercado americano, nos Alpes italianos, continha tremolita. Esse é um dos seis minerais, juntamente com crisotila, actinolita, amosita, antofilita e crocidolita, que ocorrem na natureza como fibras cristalinas conhecidas como asbesto, um conhecido carcinógeno. Alguns deles, incluindo a tremolita, também ocorrem em rochas “não asbestiformes”. Ambas a formas com frequência ocorrem juntas e em depósitos de talco.

A preocupação da J&J na época era que os contaminantes poderiam tornar o talco da empresa abrasivo. Ela enviou toneladas de seu talco italiano para um laboratório privado em Columbus, Ohio, para encontrar formas de melhorar a aparência, sensação e pureza do pó, removendo o máximo de granulação possível. Em dois relatórios de 1957 e 1958, o laboratório disse que o talco continha “de menos de 1% a cerca de 3% de contaminantes”, descritos como principalmente tremolita fibrosa e “acicular”.

A maioria dos autores desses e de outros relatórios da J&J citados neste artigo já está morta. Sanchez, o geólogo da RJ Lee cuja firma o forneceu como testemunha em até 100 julgamentos de talco da J&J, testemunhou que a tremolita encontrada décadas atrás no talco da empresa, da Itália e posteriormente de Vermont, não era tremolita asbestiforme. Ele disse que se tratava de “fragmentos de clivagem” de tremolita não asbestiforme.

Os documentos originais da J&J nem sempre fazem essa distinção. Em termos de risco à saúde, os reguladores desde o início dos anos 70 tratam da mesma forma as pequenas partículas em forma de fibra de ambas as formas.

A Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, por exemplo, “não faz distinção entre fibras e fragmentos de clivagem (comparáveis)”, escreveram funcionários da agência em resposta a um relatório da RJ Lee em um assunto não relacionado em 2006, um ano antes da firma contratar Sanchez. A Administração de Saúde e Segurança Ocupacional (Osha, na sigla em inglês), apesar de ter retirado as formas não fibrosas dos minerais de sua definição de asbesto de 1992, ainda assim recomenda que os fragmentos em forma de fibra indistinguíveis do asbesto sejam contados em seus testes de exposição.

E como o diretor de segurança do produto do fornecedor de talco da J&J reconheceu em um e-mail de 2008 para os colegas: “Se um depósito contiver tremolita ‘não asbestiforme’, também haverá presença natural de tremolita asbestiforme”.

‘Os pulmões dos bebês’

Em 1964, a subsidiária Windsor Minerals Inc. da J&J comprou um grupo de minas de talco em Vermont, como nomes como Argonaut, Rainbow, Frostbite e Black Bear. Em 1966, ela explodia e extraía rochas brancas de propriedade em Green Mountain. A J&J usava o pó moído em seus talcos cosméticos e vendia a variedade menos refinada para empresas de telhados, pisos e de pneus para uso em manufatura.

Dez anos depois da tremolita aparecer no talco italiano, ela também apareceu no talco de Vermont. Em 1967, a J&J encontrou traços de tremolita e de outro mineral que pode ocorrer como asbesto, segundo uma tabela anexada a um memorando de 1º de novembro de 1967 por William Ashton, o executivo encarregado pelo suprimento de talco da J&J por décadas.

A J&J continuou à procura de fontes de talco limpo. Mas em 9 de abril de 1969, em um memorando para um médico da empresa, Ashton disse que era “normal” encontrar tremolita em muitos depósitos de talco americanos. Ele sugeriu que a J&J repensasse sua abordagem. “Historicamente, em nossa empresa, a tremolita é ruim”, escreveu Ashton. “Quão ruim a tremolita é para a saúde e quanto dela pode haver de forma segura em uma base de talco que poderíamos desenvolver?”

Como doenças pulmonares, incluindo câncer, pareciam estar aumentando, “seria prudente limitar qualquer conteúdo possível de tremolita (…) para um mínimo absoluto”, foi a resposta de outro executivo médico dias depois.

O médico disse a Ashton que a J&J estava recebendo perguntas de segurança por parte de pediatras. Até mesmo Robert Wood Johnson 2º, o filho do fundador e na época presidente-executivo aposentado, expressou “preocupação com a possibilidade de efeitos adversos nos pulmões de bebês ou mães”, ele escreveu.

O médico escreveu que “nós respondemos que não consideramos o uso de nossos talcos como apresentando qualquer risco”. Mas essas garantias seriam impossíveis, ele acrescentou, “se incluirmos tremolita em mais do que quantidades inevitáveis de traço”.

Nunca “100% limpo”

No início dos anos 70, o asbesto era amplamente reconhecido como causa principal de mesotelioma entre trabalhadores envolvidos na produção de amianto e das indústrias que o usavam em seus produtos.

A regulação estava no ar. Em 1972, a Osha, recém-criada pelo presidente Richard Nixon, emitiu sua primeira regra, estabelecendo limites à exposição em local de trabalho ao pó de asbesto.

Na época, uma equipe do Centro Médico Mount Sinai liderada pelo proeminente pesquisador do asbesto, Irving Selikoff, começou a analisar os talcos em pó como possível solução para um enigma: por que havia exames de tecido pulmonar realizados post-mortem de nova-iorquinos, que nunca trabalharam com asbesto, exibindo sinais do mineral? Como os depósitos de talco estão com frequência ligados a depósitos de asbesto, argumentavam os cientistas, talvez os talcos em pó tivessem um papel.

Eles compartilharam seus resultados preliminares com o chefe municipal de proteção ambiental de Nova York, Jerome Kretchmer. Em 29 de junho de 1971, Kretchmer informou o governo Nixon e convocou uma coletiva de imprensa para anunciar que duas marcas não identificadas de talco cosmético pareciam conter asbesto.

A FDA abriu um inquérito. A J&J emitiu uma declaração: “Nossos cinquenta anos de conhecimento de pesquisa nessa área indicam que não há asbesto no talco em pó produzido pela Johnson & Johnson”.

Posteriormente naquele ano, outro pesquisador do Mount Sinai, o mineralogista Arthur Langer, disse à J&J em uma carta que a equipe tinha encontrado uma quantidade “relativamente pequena” de asbesto crisotila no talco Johnson’s Baby.

Langer, Selikoff e Kretchmer acabaram em uma lista da J&J de “personalidades antagônicas” em um memorando de 29 de novembro de 1972, que descrevia Selikoff como líder de um “ataque ao talco”.

“Suponho que eu era antagônico”, disse Langer à “Reuters”. Mesmo assim, em um teste subsequente dos talcos da J&J em 1976, ele não encontrou asbesto, um resultado que o Mount Sinai anunciou.

Langer disse ter dito aos advogados da J&J que o visitaram no ano passado que mantinha todas as suas conclusões. A J&J não o chamou como testemunha.

Selikoff morreu em 1992. Kretchmer disse ter lido recentemente que um júri concluiu que o talco Johnson’s Baby estava contaminado com asbesto. “Eu disse para mim mesmo: ‘Por que demorou tanto?'” ele disse.

Enquanto isso, em julho de 1971, a J&J enviou uma delegação de cientistas para Washington para conversar com autoridades da FDA que analisavam a presença de asbesto em talcos em pó. Segundo um relato da FDA da reunião, a J&J compartilhou “evidência de que seus talcos continham menos de 1% de asbesto, se é que continham”.

Mais adiante naquele mês, Wilson Nashed, um dos cientistas da J&J que visitaram a FDA, disse em um memorando ao departamento de relações públicas da empresa que o talco da J&J continha traços de “minerais fibrosos (tremolita/actinolita)”.

Enquanto a FDA continuava investigando a presença de asbesto no talco, a J&J enviou amostras de talco para serem testadas em laboratórios privados e universitários. Apesar de um laboratório privado em Chicago ter encontrado traços de tremolita, ele declarou a quantidade “insignificante” e as amostras “substancialmente livres de material asbestiforme”. A J&J apresentou essa conclusão à FDA com uma carta de apresentação que dizia que “os resultados mostram claramente” que as amostras testadas “não contêm asbesto crisotila”. O advogado da J&J disse à “Reuters” que a tremolita encontrada nas amostras não era asbestiforme.

Mas o material apresentado pela J&J à FDA deixou de fora o resultado do professor Thomas E. Hutchinson, da Universidade de Minnesota, apontando a presença de crisotila em amostra de Banho a Banho, ou “asbesto incontestável”, como ele descreveu em uma nota do laboratório.

Os próprios exames da FDA não encontraram asbesto nas amostras de talco da J&J nos anos 70. Mas esses testes não usaram os métodos de detecção mais sensíveis. Um teste inicial, por exemplo, foi incapaz de detectar fibras de crisotila, como reconheceu um funcionário da FDA em um relato da J&J sobre a reunião de 11 de agosto de 1972 com a agência: “Eu entendo que algumas amostras passarão apesar de conterem essas fibras, mas estamos dispostos a conviver com isso”.

Em 1973, Tom Shelley, diretor dos Laboratórios Centrais de Pesquisa da J&J, em Nova Jersey, buscava adquirir patentes de um processo que um mineralogista britânico e consultor da J&J estava desenvolvendo para separação de talco de tremolita.

“É bem possível que futuramente a tremolita seja proibida em todo talco”, escreveu Shelley para um colega britânico em 20 de fevereiro de 1973. Portanto, ele acrescentou, o “processo poderá se tornar uma propriedade valiosa para nós”.

No final de março, Shelley reconheceu a sensibilidade do plano em um memorando enviado a um advogado da J&J em Nova Jersey: “Creio que vamos querer considerar cuidadosamente as (…) patentes referentes ao asbesto no talco. É bem possível que possamos desejar manter a coisa toda confidencial, em vez de permitir que seja publicada em forma de patente e assim permitir que o mundo todo saiba”.

A J&J não obteve as patentes.

Enquanto Shelley estudava as patentes, o diretor de pesquisa da J&J, DeWitt Petterson, visitou a operação de mineração da empresa em Vermont. “Ocasionalmente, quantidades menores que traço de tremolita e actinolita são identificáveis”, ele escreveu em um relatório de abril de 1973 sobre a visita. “E elas poderiam ser classificadas como fibra de asbesto.”

A J&J deve “proteger nossa linha de talco” eliminando o máximo possível de fibras que possam ser inaladas em talco em pó no ar, escreveu Petterson. Mas ele alertou que “nenhum produto final será totalmente livre de partículas respiráveis”. Lançar uma versão de amido de milho do Johnson’s Baby, ele notou, “é obviamente outra solução”.

Bicks disse à “Reuters” que a J&J acredita que a tremolita e actinolita citadas por Petterson não eram asbesto.

O amido de milho foi mencionado em um relatório de 5 de março de 1974, no qual Ashton, o chefe de suprimento de talco da J&J, recomendava que a empresa pesquisasse essa alternativa “por razões defensivas” pois “o impulso contra o talco se concentra principalmente nos problemas biológicos supostamente resultantes da inalação do talco e partículas minerais relacionadas”.

‘Poderemos ter problemas’

Poucos meses após o reconhecimento por Petterson de que a pureza do talco era uma ilusão, a FDA propôs uma regra de que o talco usado em medicamentos contivesse não mais que 0,1% de asbesto. Apesar da divisão de cosméticos da agência ter considerado uma ação semelhante nos talcos em pó, ele pediu às empresas que sugerissem métodos de teste.

Na época, a linha Johnson’s Baby da J&J consumia 20 mil toneladas de talco de Vermont por ano. A J&J pressionou a FDA a aprovar uma técnica de exame por raio X que um cientista da empresa disse, em um memorando de abril de 1973, que permitiria uma tolerância automática de 1% para asbesto”. Isso resultaria em talco com até 10 vezes o limite proposto pela FDA para asbesto em drogas.

O mesmo cientista confidenciou em uma nota de 23 de outubro de 1973 a um colega que, dependendo do teste adotado pela FDA para detecção de asbesto no talco cosmético, “poderemos ter problemas”.

A melhor forma de detectar asbesto no talco é concentrar a amostra e então examiná-la com microscópios, disse o Instituto de Pesquisa da Escola de Minas do Colorado à J&J em um relatório de 27 de dezembro de 1973. Em um memorando, um supervisor de laboratório da J&J disse que a técnica de concentração, que os próprios pesquisadores da empresa já tinham usado para identificar asbesto do “tipo tremolita” no talco de Vermont, tinha uma limitação: “Pode ser sensível demais”.

Nenhuma mãe passará um talco em seu bebê com 1% de um carcinógeno conhecido, independente do grande fator de segurança.

Comentário de um funcionário da FDA em 1975 sobre o método apoiado pela J&J

Em seu e-mail para a “Reuters”, o advogado da J&J disse que a preocupação do supervisor do laboratório era de o teste produzir “falsos positivos”, mostrando asbesto onde não havia nenhum.

A J&J também lançou uma pesquisa para descobrir a quanto talco um bebê estava exposto durante uma troca de fraldas e quanto asbesto poderia haver nessa quantidade, de modo a permanecer dentro dos novos limites de exposição no local de trabalho estabelecidos pela Osha. Seus pesquisadores prenderam um dispositivo de amostragem de ar a uma boneca para realizar medições enquanto talco era aplicado, segundo memorandos da J&J e minutas de uma reunião de 19 de fevereiro de 1974 da Associação de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (CTFA, na sigla em inglês), uma entidade setorial.

“Foi calculado que mesmo se o talco fosse de puro asbesto, os níveis de exposição de um bebê durante a aplicação normal ficam bem abaixo dos limites aceitos de tolerância”, declara a minuta.

Em uma carta de 6 de setembro de 1974, a J&J disse à FDA que como “um fator substancial de segurança pode ser esperado” com talco contendo 1% de asbesto, “os métodos capazes de determinar menos de 1% de asbesto no talco não são necessários para assegurar a segurança do talco cosmético”.

Nem todos na FDA achavam que basear um método de detecção em um cálculo desses era uma boa ideia. Um funcionário a chamou de “tolice”, acrescentado, segundo um relato da J&J de uma reunião de fevereiro de 1975: “Nenhuma mãe passará um talco em seu bebê com 1% de um carcinógeno conhecido, independentemente do grande fator de segurança”.

‘Deturpação por omissão’

Tendo fracassado em persuadir a FDA que uma contaminação de até 1% de asbesto era tolerável, a J&J começou a promover a autorregulação como uma alternativa à regulamentação externa. O elemento central dessa abordagem foi um pacote de cartas de 14 de março de 1976, da J&J e outros fabricantes que a CTFA deu à agência para mostrar que tinham tido sucesso em eliminar o asbesto do talco cosmético.

“As cartas anexadas demonstram a responsabilidade da indústria no monitoramento de seus talcos”, dizia a carta de apresentação. “Estamos certos de que o sumário lhes dará garantia de não contaminação por asbesto nos materiais de produtos de talco cosmético.”

A J&J não contou à FDA sobre um teste de 1974 por um professor do Faculdade Dartmouth, em New Hampshire, que apontou asbesto no talco da J&J, actinolita “em forma de fibra”, como ele colocou. A empresa também não disse à FDA sobre um relatório de 1975 de que seu laboratório de longa data encontrou partículas identificáveis como “fibras de asbesto” em cinco de 17 amostras de talco da principal mina fonte do Johnson’s Baby. “Algumas delas parecem altas”, escreveu o laboratório em sua carta de apresentação.

Bicks, o advogado da J&J, disse que os resultados do laboratório contratado eram irrelevantes, pois o talco era para uso industrial. Ele disse que a empresa agora acredita que a actinolita encontrada pelo professor da Dartmouth “não era asbestiforme”, com base em sua interpretação de uma foto no relatório original do laboratório.

Apenas dois meses após o professor da Dartmouth relatar suas conclusões, o gerente de pesquisa e desenvolvimento da Windsor Minerals, Vernon Zeitz, escreveu que crisotila, “antofilita fibrosa” e outros tipos de asbesto foram “encontradas em associação com o corpo de minério de Hammondsville”, o depósito em Vermont que forneceu talco para a linha Johnson’s Baby por mais de duas décadas.

O relatório de Zeitz de maio de 1974 sobre os esforços para minimizar o asbesto no talco de Vermont “exigia fortemente” a adoção de formas de proteção “contra aqueles que são atualmente considerados materiais que representam um risco severo à saúde e estão potencialmente presentes em todos os minérios de talco em uso no momento”.

Bicks disse que o relatório de Zeitz não se baseava em resultados de teste.

No ano seguinte, Zeitz relatou que com base em testes semanais de amostras de talco ao longo de seis meses, “pode ser declarado com uma certeza acima de 99,9% que os minérios e materiais produzidos a partir dos minérios de todos os locais da Windsor Mineral estão isentos de asbesto ou minerais asbestiformes”.

O uso seletivo pela J&J dos resultados de testes esteve presente na decisão de uma juíza de Nova Jersey neste ano de proferir o primeiro veredicto contra a empresa em um caso que alegava que asbesto em produtos da J&J causavam câncer. “Fornecer à FDA resultados favoráveis mostrando nenhum asbesto e ocultar ou deixar de fornecer os resultados não favoráveis, mostrando asbesto, é uma forma de deturpação por omissão”, disse a juíza Ana Viscomi, do tribunal superior do condado de Middlesex, em sua decisão em junho.

“A J&J discorda respeitosamente dos comentários da juíza”, disse Bicks. “A J&J não deixou de apresentar qualquer teste relevante à FDA.”

A FDA se recusou a comentar sobre a decisão.

Carente de um consenso sobre os métodos de teste, a FDA adiou a ação para limitar o asbesto no talco. Anos depois, ela estabeleceu limites ao asbesto no talco usado em medicamentos. Ela nunca limitou o asbesto em talco cosmético ou estabeleceu um método preferido para detectá-lo.

Em vez disso, em 1976, um comitê da CTFA presidido por um executivo da J&J esboçou diretrizes voluntárias, estabelecendo um exame por raio X com um limite de detecção de 0,5% como teste principal, o método preferido pela J&J. O método não é projetado para detectar o tipo mais usado de asbesto, a crisotila. O grupo disse que a microscopia eletrônica mais sensível não era prática.

A CTFA, que agora atua como Conselho de Produtos de Cuidados Pessoais, se recusou a comentar.

O exame de raio X é o método principal usado pela J&J há décadas. A empresa também exige periodicamente as checagens mais sensíveis com microscópios eletrônicos. O advogado da J&J disse que os testes pela empresa ultrapassam o padrão da associação setorial. Ele também disse que atualmente, os exames de raio X da J&J podem detectar minerais suspeitos em níveis tão baixos quanto 0,1% de uma amostra.

Mas a empresa nunca adotou a recomendação de 1973 do laboratório do Colorado para que as amostras fossem concentradas antes de um exame por microscópio. E as amostras de talco submetidas ao teste de microscopia eletrônica mais sensível representavam uma fração minúscula do que foi vendido. Por essas e outras razões, a J&J não podia garantir que o Johnson’s Baby era livre de asbesto quando as querelantes o usaram, segundo os especialistas, incluindo alguns que testemunharam em prol das querelantes.

Já em 1976, Ashton, o supervisor de talco de longa data da J&J, reconheceu isso em um memorando aos colegas. Ele escreveu que o talco em geral, se submetido ao método de teste mais sensível, usando amostras concentradas, “terá dificuldade em apoiar alegações de pureza”. Ele descreveu esse tipo de teste tanto como “sofisticado” quanto “perturbador”.

Em 1977, a J&J parecia ter reduzido as preocupações com a segurança do talco. Um relatório interno de agosto sobre a campanha “Defesa da Segurança do Talco” da J&J notou que autoridades independentes consideravam seguros os produtos cosméticos de talco como sendo “isentos de risco”. Ele atribuiu “essa crescente opinião” à disseminação para as comunidades científicas e médicas nos Estados Unidos e no Reino Unido de “dados favoráveis provenientes de vários estudos patrocinados pela J&J”.

Em 1984, o chefe de cosméticos da FDA e ex-funcionário da J&J, Heinz Eiermann, reiterou essa posição. Ele disse ao “New York Times” que a investigação pela agência uma década atrás tinha levado a indústria a assegurar que o talco era livre de asbesto. “Assim, em análises subsequentes”, ele disse ao jornal, “nós realmente não pudemos identificar asbesto ou apenas em ocasiões muito raras”.

Dois anos depois, a FDA rejeitou um pedido popular de que o talco cosmético exibisse um rótulo de alerta de asbesto, dizendo que mesmo se houvesse um traço de contaminação, o uso do talco em pó durante dois anos de uso normal de fraldas não aumentaria o risco de câncer.

Em 1980, a J&J começou a oferecer a versão de amido de milho do Johnson’s Baby, para expandir sua base de consumidores para pessoas que preferiam amido de milho, disse a empresa.

A persistência da posição da indústria de que o talco cosmético é isento de asbesto é o motivo para nenhum estudo ter sido conduzido sobre a incidência de mesotelioma entre usuários dos produtos. Também é o motivo em parte para as regulações que protegem as pessoas em minas, usinas, fábricas e escolas de talco contendo asbesto não se aplicar a bebês e outros expostos ao talco cosmético, apesar do talco Johnson’s Baby às vezes ser proveniente das mesmas minas que o talco vendido para uso industrial. A J&J diz que o talco cosmético é mais processado e, portanto, mais puro que o talco industrial.

Até recentemente, a Sociedade Americana de Câncer (ACS) aceitava a posição da indústria, dizendo em seu site: “Todos os produtos de talco usados nos lares são livres de asbesto desde os anos 70”.

Após ser questionada pela “Reuters”, a ACS revisou seu site no início de dezembro para remover a garantia de que os talcos domésticos são livres de asbesto. Agora, ela diz, citando os padrões da indústria, que todos os produtos de talco cosméticos nos Estados Unidos “devem ser isentos de quantidades detectáveis de asbesto”.

A página de internet revisada da ACS também nota que a Agência Internacional para Pesquisa do Câncer da Organização Mundial da Saúde classifica o talco que contém asbesto como “carcinogênico para os seres humanos”.

Apesar do sucesso dos esforços da J&J em promover a segurança de seu talco, o teste de laboratório da empresa encontrou fibras de asbesto em amostras extraídas da operação em Vermont em 1984, 1985 e 1986. Bicks disse: “As amostras que conhecemos desse período que continham uma fibra ou duas de asbesto não eram amostras de talco cosmético”.

Então, em 1992, três anos após a J&J vender suas minas em Vermont, a nova proprietária, a Cyprus Minerals, disse em um relatório interno sobre “importantes questões ambientais” em suas reservas de talco envolvendo a presença de “tremolita” no depósito de Hammondsville, que foi a principal fonte de talco da linha Johnson’s Baby de 1966 até seu fechamento em 1990.

Bicks rejeitou o relatório da Cyprus como boato, dizendo que não há documentação original para confirmá-lo. Os registros da mina de Hammondsville, segundo um memorando da J&J de 1993, “foram destruídos pelos administradores da mina pouco antes da saída da J&J”.

Os documentos destruídos não incluíam registros dos testes do talco, segundo Bicks.

Em 2002 e 2003, os operadores da mina de Vermont encontram fibras de asbesto crisotila em várias ocasiões em talco produzido para o Johnson’s Baby vendido no Canadá. Em cada caso, apenas uma única fibra foi encontrada, um resultado considerado abaixo do limite de detecção. Bicks descreveu o resultado como “asbesto de fundo”, não proveniente da fonte do talco.

Em 2009, a FDA, em resposta à crescente preocupação pública com o talco, encomendou testes em 34 amostras, incluindo uma embalagem de talco Johnson Baby e amostras do talco da Imerys da China. Nenhum asbesto foi detectado.

O comissário da FDA, Scott Gottlieb, disse que a agência continua recebendo muitas perguntas sobre o talco cosmético. “Reconheço a preocupação”, ele disse à “Reuters”. Ele disse que a fiscalização dos cosméticos pela agência em geral, com menos de 30 pessoas regulando um setor “vasto”, era “algo que acreditamos que poderíamos fazer mais”.

Gottlieb disse que a FDA planeja promover um fórum público no início de 2019 para “estudar como poderíamos desenvolver padrões para avaliação de quaisquer riscos em potencial”. Uma porta-voz da agência disse que ele incluiria exames de “métodos de teste científico para avaliação de asbesto”.

‘Expedição de pesca’

Antes do curso de direito, Herschel Hobson trabalhava em uma fábrica de borracha. Lá, seu trabalho incluía assegurar que o asbesto no talco aos quais os trabalhadores eram expostos não ultrapassasse os limites da Osha.

Foi por isso que se concentrou no talco Johnson’s Baby após pegar Darlene Coker como cliente em 1997. O processo impetrado por Coker e seu marido, Roy, naquele ano contra a J&J, no tribunal distrital do condado de Jefferson, em Beaumont, Texas, é o mais antigo encontrado pela “Reuters” alegando que o talco Johnson’s Baby causava câncer.

Hobson pediu à J&J quaisquer pesquisas que tivesse sobre a saúde dos trabalhadores de sua mina; registros da produção de talco de meados dos anos 40 até os anos 80; depoimentos de administradores de três laboratórios que testaram o talco para a J&J; e quaisquer documentos relacionados ao teste para materiais fibrosos ou asbestiformes.

A J&J fez objeção. A “expedição de pesca” de Hobson não resultaria em qualquer evidência relevante, ela afirmou em uma moção de 6 de maio de 1998. Na verdade, entre os milhares de documentos requisitados por Hobson poderia ter sido encontrada uma carta que os advogados da J&J receberam apenas semanas antes, de uma geóloga da Universidade Rutgers confirmando que ela tinha encontrado asbesto no talco Johnson’s Baby da empresa, identificado em seu estudo publicado em 1991 como agulhas de “asbesto” tremolita.

Hobson concordou em adiar seus pedidos até obter um relatório patológico do tecido de pulmão de Coker. Antes de sua chegada, a J&J pediu ao juiz que o caso fosse arquivado, argumentando que Coker “não tinha evidência” de que o talco Johnson’s Baby causou mesotelioma.

Dez dias depois, o relatório chegou: o tecido do pulmão de Coker continha dezenas de milhares de “fibras longas” de quatro tipos diferentes de asbesto. Os resultados eram “consistentes com exposição a talco contendo contaminação por crisotila e tremolita”, concluiu o relatório.

“As fibras de asbesto encontradas levantam uma nova questão de fato”, disse Hobson ao juiz em seu pedido por mais tempo para impetrar uma oposição ao pedido de arquivamento pela J&J. O juiz lhe deu mais tempo, mas rejeitou seu pedido para retomada da requisição dos documentos.

Sem evidência da J&J e sem esperança de obtê-la, Hobson aconselhou Coker a desistir do processo.

Hobson ainda pratica direito em Nederland, Texas. Quando a “Reuters” lhe disse sobre a evidência surgida em um processo recente, ele disse: “Eles sabiam quais eram os problemas e os esconderam”. Os documentos da J&J teriam feito “100% de diferença” no caso de Coker.

Caso a informação sobre o asbesto no talco da J&J tivesse sido exposta mais cedo, ele disse, “talvez teria ocorrido 20 anos a menos de exposição” para outras pessoas.

Bicks, o advogado da J&J, disse que Coker desistiu do caso por ter sido “estabelecido que o talco da J&J não teve nada a ver com a doença da querelante e que exposição a asbesto em um ambiente comercial ou ocupacional era a causa provável”.

Coker nunca soube o motivo para ter tido mesotelioma. Mas ela superou as expectativas. A maioria dos pacientes morre em até um ano após o diagnóstico. Coker resistiu o suficiente para ver suas duas netas. Ela morreu em 2009, 12 anos após seu diagnóstico, aos 63 anos.

A filha de Coker, Crystal Deckard, tinha 5 anos quando sua irmã, Cady, nasceu em 1971. Deckard se recorda de ver a embalagem branca do talco Johnson’s Baby no trocador onde sua mãe trocava a fralda de sua nova irmã.

“Quando mamãe recebeu sua sentença de morte, ela tinha a mesma idade que tenho agora”, disse Deckard. “Tenho isso em minha mente o tempo todo. Será que acontecerá conosco? Comigo? Com minha irmã?”

Fonte: UOL
Lisa Girion
Em Los Angeles (EUA)
24/12/2018 04h01

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