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Justiça não é número, tem que ser solução

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Carlos Hamilton Bezerra Lima
Carlos Hamilton Bezerra Lima

*Carlos Hamilton Bezerra Lima 

Ninguém ignora que em todos os países do mundo a justiça seja morosa, neste ou naquele grau, em canto algum da terra a justiça age como relâmpago, mesmo nos países europeus, na Ásia ou América do Norte, ou em qualquer continente o estigma da lentidão judiciária não é monopólio apenas da terra brasilis.

Há anos se discute a morosidade judicial e suas causas e soluções já foram divulgadas em centenas de congressos jurídicos ao longo de décadas: excessos de prazos, formalismos exacerbados, quantidade enorme de recursos processuais, privilégios das fazendas públicas, municípios, estados e união, falta de infra-estrutura material e humana, esta quase sempre desqualificada e resistente a inovações, para citar algumas.

O fato parece remeter à fábula dos ratos a discutir o problema do gato, todos parecem saber ou apontar a solução de colocar quizo no pescoço do bichano, mas poucos têm sido os que se apresentaram à difícil tarefa.

A culpa dos juízes, é preciso que se diga, tem sido mínima, justiça lhes seja feita. Eles cumprem o que está posto. A grande maioria trabalha inclusive aos sábados, domingos e feriados, e acreditem, outros tantos usam às férias para julgar. Não fazem leis, não administram presídios, não nomeiam, nem contratam. Não foram remetidos estes assessores ou número suficiente em  material  e recursos humanos qualificados, desejáveis à personificação da justiça. O juiz, peça fundamental, foi esquecido por completo ao longo dos anos, – e não há evidência de atenção na reforma do judiciário -, e hoje, estão sendo cobrados a exaustão, como se fossem o cajado de Moisés a abrir  solução para tudo para o que não deram causa.

A culpa  repita-se mais uma vez, na maioria esmagadora das vezes está numa legislação anacrônica, vetusta, que quando inova, parece olvidar por completo a condição de trabalho dos magistrados, como se o processo fosse algo simples, como a colocar uma roupa suja numa máquina de lavar e dali sair pronta, inclusive passada. Neste particular o legislativo pouco concorreu para avanço do judiciário. Uma postura mais firme e direcionada a um poder judicante mais independente e pragmático, pouco tem se revelado em efeitos concretos ao povo, real destinatário da prestação jurisdicional.

Não se pode olvidar idêntica postura ao executivo – um dos maiores clientes do judiciário -, seja como autor ou como réu, as infrações à lei por este assoberbam as prateleiras da mais minúscula comarca ao Supremo Tribunal Federal; quem esquece que num único dia mais de dez mil ações neste país foram ajuizadas quando do plano Collor? No frigir dos ovos, o Estado concorre para a quantidade necessária de juízes proporcional a seu número de habitantes? Neste particular, aqui somos triste exclusividade no mundo, um magistrado para cada vinte e três mil habitantes, uma verdadeira ilha, sob um cipoal de leis e infrações por todos os lados em canto nenhum do globo jamais testemunhado.

Que não se descure também o orçamento anual previsto ao judiciário. Quem desconhece as constantes divergências, senão arranhões político-institucionais, quando do dito orçamento, sempre diminutos e podados pelos outros dois poderes? Ora o Judiciário não faz leis e nem tem a bolsa, aquelas são com o legislativo e esta com executivo; o judiciário detém apenas e tão somente a espada, instrumento que vez por outra querem tomar ou impor rédeas a esgrimí-la, e então, como sabemos a democracia sempre corre perigos.

É de suma importância que a justiça seja célere e dê a resposta ao direito da parte em tempo razoável, todos queremos isso e os juízes estão comprometidos com este desiderato, entretanto, temos visto nos últimos tempos uma preocupação unicamente com números para solução do processo, aliás, com referenciais e escore percentuais para a sentença. A providência tem bons propósitos, até faz sentido, entretanto por mais que seja o anseio dos pais em conhecer a criança, esta não pode ser arrancada do ventre da mãe a qualquer tempo e modo, no mínimo princípios e circunstâncias médicas a cada caso urge sejam observadas, e ainda que esteja passada da hora de nascer, é que os meios e cuidados maiores devam ser observados, senão, mata-se a mãe e o filho.

Não se julga um processo, máxime os antigos, conduzidos quase sempre por outros juízes que o antecederam, sem que seja lido e avaliadas as provas e o direito com muita acuidade, não se cuida de algo simples que o magistrado pudesse apenas ditar sem meias palavras, este defiro, aquele não, este condeno, o outro absolvo. O direito e a justiça não se operam dessa forma.

A democracia precisa sobreviver, ídem o bem comum e a pacificação de conflitos, mas por um judiciário justo, coerente e sábio na avaliação das provas, obediente às leis e princípios jurídicos ínsitos da decisão judicial respectiva, e isso não se faz como quem se busca um recorde, sob pena de fazer exatamente o contrário  a que se propõe.

A justiça não são números, nem é compatível e nem deve se comprazer com estatísticas, se faz sim pela satisfação das partes, com justeza,  e isso somente pode acontecer se instrumentalidade for dada ao judiciário, caso contrário vamos ficar ouvindo o já inócuo e repetitivo discurso de uma dialética que a nada serve se não for acompanhada de ação. Ação, pois é o que basta; o tempo, é agora. Que os juízes sejam rápidos, mas que essa urgência não os imponha  ou exponha a injustos.

*Juiz de Direito no Estado do Piauí e Vice-Presidente da ANAMAGES – Associação Nacional de Magistrados Estaduais.

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