Com barragens secas, poceiros da região de Picos lucram com venda de água
Pio IX é um dos municípios do semiárido piauiense que mais vem sofrendo com a seca, que já acumula três anos sem chuvas regulares. O único reservatório da cidade, o açude Cajazeiras, secou ainda em setembro do ano passado. Desde então, o abastecimento passou a ser feito, de forma insuficiente, pela Adutora de Piaus, distante 63 km da cidade e atualmente com 5% da capacidade. Na zona rural, o abastecimento das cisternas é feito por caminhões-pipa, que demoram dois meses para retornar a uma localidade. Para completar a água necessária para o consumo, os moradores pagam R$ 1 por um balde de água e até R$ 130 por uma carrada (equivalente a 8 mil litros).
A terra seca chama a atenção pela quantidade de poços públicos. São 64 em todo o município, cujo subsolo é rico em lençóis freáticos. Entretanto, segundo o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pio IX, a maioria está sem manutenção há bastante tempo e, por isso, não funciona. Já em terras particulares, poceiros lucram com a venda de água para o Exército Brasileiro e para pipeiros avulsos.
O agente público Josié Rodrigues da Costa mora no Assentamento Baixa do Poço, zona rural de Pio IX, ao lado de um poço público que deveria abastecer mais de 1.500 pessoas. Desde outubro do ano passado, o local não funciona porque a bomba quebrou. Josié não é atendido pelo Exército porque reside ao lado de uma fonte de água. O jeito é pagar pela água potável para as tarefas domésticas e alimentar os poucos animais.
“Pago um pipeiro particular para encher a cisterna uma vez por semana, que é utilizada pelas três casas da minha família e às vezes nem é o suficiente. Este ano praticamente não choveu na região, não tivemos como armazenar água da chuva. Se o poço estivesse funcionando, não precisava passar por isso. O que gasto por mês daria para investir na plantação”, diz Josié Rodrigues
Também vizinha do poço fechado, a escola municipal João Gonçalves da Silva, onde a filha de Josié estuda, não enfrenta o desabastecimento porque a prefeitura envia um caminhão do PAC 2 toda semana para manter a unidade infantil. A diretora, Josefa Ana da Silva, destacou que o funcionamento da fonte deixaria tudo mais fácil para a região.
Sobre o problema no assentamento, a Prefeitura de Pio IX alegou que a bomba não queimou, mas caiu no poço, que é muito fundo. O órgão informou ter feito licitação para que uma empresa especializada possa retirar o equipamento, e o serviço já está agendado. Também garantiu que mantém a manutenção dos 64 poços em todo o município.
Plantações afetadas
A 40 km do assentamento, onde uma carrada de água trazida por um pipeiro chega a custar R$ 130. Francisco Edison da Silva conta que 90% da safra de feijão e milho ficou perdida por conta da falta de chuvas. O agricultor luta para manter a plantação de caju, que deve dar frutos em maio. Além de depender do carro-pipa para conseguir água, a plantação foi afetada pela praga e ainda não cresceu como esperado.
“O jeito é esperar pela vontade de Deus para salvar a plantação. Aqui, antigamente, eu colhia 20 sacas de feijão e milho, mas este ano, com a falta de chuvas, perdi tudo. O jeito é salvar o caju para tirar algum dinheiro e não ficar no prejuízo. A gente vende o quilo da castanha por R$ 4 e a polpa a R$ 1,10, o quilo, para as fábricas de cajuína e sucos. O ideal era a produção ser totalmente nossa, só que falta incentivo pra isso”, comenta.
Para o tesoureiro do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pio IX, Naldo Andrade, a situação se deteriorou depois que o açude Cajazeiras secou. As centenas de agricultores e pescadores que dependiam do reservatório tiveram que abandonar suas atividades e passaram a viver de programas do governo federal. Ele denúncia que os poços públicos cavados na cidade não receberam manutenção suficiente da prefeitura e que a quantidade de caminhões-pipa diminuiu 50% devido ao atraso nos pagamentos.
“Não estamos produzindo mais nada com o açude seco. Antigamente, os moradores tinham suas hortas, agora dependem de verduras e frutas vindas de Pernambuco, que são bem mais caras. Outro problema é o nível baixo da Adutora de Piaus. Se não chover, a cidade ficará sem o abastecimento de água nas torneiras”, diz Naldo Andrade.
Terra rica
Enquanto os agricultores sofrem com a longa estiagem, poceiros lucram com a falta de água na região. O empresário Aldemar Arrais gastou R$ 200 mil para cavar e montar as instalações de um poço em suas terras. Ele fornece a carrada de água para o Exército do Ceará e pipeiros particulares, que revendem em Pio IX.
“Só em um mês, são vendidas 1 mil carradas, sendo R$ 25 cada. A água que sai aqui do poço abastece também as cidades cearenses. Infelizmente, ainda não consegui cadastro no Exército do Piauí para atender os caminhões-pipas de Pio IX”, comentou Aldemar Arrais.
O poceiro revelou que o negócio deu tão certo que ele vai abrir em breve um clube com piscinas de 16 e 144 mil litros. “Nesse novo empreendimento, na verdade, nem vejo lucro, mas uma opção de lazer para a população de Pio IX, que sofre tanto com a falta de água”, completou.
A prefeita de Pio IX, Regina Coelli, informou que o cadastro dos pipeiros é feito pelo Exército, através do 25º Batalhão de Caçadores, sem indicação da prefeitura, e depois é feito um sorteio para saber quem de fato vai trabalhar no município.
A prefeitura destacou ainda que somente dá apoio para acompanhar a distribuição da água, indicando as comunidades mais necessitadas.
Outro que vem lucrando com a venda de água é o pipeiro cadastrado pelo Exército do Ceará, Vando Costa. Ele chega a transportar por mês 46 carradas de água e percorre a distância de 130 km para abastecer as cidades cearenses de Parabu e Tauá. “É o Ceará dependendo do Piauí para conseguir água, já que o açude não é adequado para o consumo humano”, comentou.
Sobre as perfurações de poços particulares, o superintendente de recursos hídricos da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Semar), Romildo Mafra, destacou que os poceiros precisam de autorização do órgão ambiental para funcionamento e prometeu enviar fiscais na região para verificar se os proprietários têm licença necessária.
“Tomei conhecimento recentemente destes poços particulares. O poceiro que não tiver licença está sujeito a multa alta, a ter o local embargado e as máquinas apreendidas. Vamos aumentar a fiscalização e identificar aqueles que estão funcionamento irregularmente”, frisou Romildo Mafra.
Seca verde
Para o técnico do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) Francisco Altos Teixeira, as chuvas isoladas na região não foram suficientes para acumular água nas barragens e cisternas, mas conseguiu garantir a plantação em algumas cidades. Comum no semiárido nordestino, o fenômeno conhecido como ‘seca verde’ caracteriza-se pela exuberância da vegetação em meio a um longo período sem água.
“Em termos de água, é muito pouco porque são chuvas passageiras, finas, que não acumula água. A situação mais preocupante atualmente é da barragem de Piaus, que tem capacidade de 104,5 milhões de metros cúbicos e atualmente conta com apenas 5%. Se continuar assim, o abastecimento de seis cidades será comprometido”, pontuou.
Francisco Altos Teixeira destacou ser preciso chover no mínimo 800 milímetros na região para que a adutora recupere algo em torno de 19 milhões de metros cúbicos e assim continue abastecendo as cidades do semiárido. A barragem de Piaus fornece água para mais de 40 mil pessoas das cidades de São Julião, Fronteiras, Vila Nova do Piauí, Alagoinha do Piauí, Pio IX e Campo Grande do Piauí.
Apesar das chuvas não terem sido suficientes para acabar com o drama da estiagem, os agricultores Valdemiro Sousa Nascimento e Francimar Maria Ferreira, do município de Inhuma, colhem animados a safra de feijão de corda. A colheita deve ser suficiente para o consumo próprio durante o ano todo e até vender na feira da cidade.
Em 2016, a chuva escassa no inverno fez com que o casal perdesse toda a plantação e comprasse a saca do feijão por R$ 800. “O tempo está animado para chover. A chuva não deu para encher a cisterna, mas foi bom para o plantio. Plantamos o feijão em novembro e já começamos a colher antes do esperado. Para se ter uma ideia, a grande quantidade do produto reduziu a saca para R$ 200”, destacaram.
Interligação de adutoras
No fim de semana, uma audiência pública na Câmara Municipal de Pio IX reuniu representantes do Dnocs, prefeituras abastecidas pela Adutora de Piaus, Funasa e Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Semar). Entre os assuntos, foi discutido a possibilidade da Adutora de Simões interligar com a de Piaus, com o objetivo de recuperar o nível da barragem.
“Será feito um estudo para analisar a possibilidade. Enquanto isso, o Dnocs tomou decisões emergenciais, como a ordem de serviço para perfurar mais três poços nas cidades de São Julião, Pio IX e Padre Marcos. Vamos continuar alertando a população também sobre o racionamento adequado e esperamos que no inverno a barragem de Piaus consiga um nível satisfatório”, comentou o coordenador estadual do Dnocs, Djalma Bezerra.
Fonte: G1 Piauí