O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nessa quinta-feira (9) que não apenas a vítima de violência doméstica pode registrar ocorrência contra seu agressor. A partir de agora, qualquer pessoa pode comunicar a agressão à polícia. O Ministério Público poderá apresentar denúncia contra o algoz mesmo contra a vontade da mulher.
Hoje, apenas a vítima pode representar contra o agressor em caso de lesões corporais leves. E a denúncia fica condicionada à autorização dela – que, em muitos casos, muda de ideia, retira a ocorrência e o caso termina arquivado.
A decisão foi tomada em uma ação direita de inconstitucionalidade proposta pela Procuradoria Geral da República contra o artigo da Lei Maria da Penha que exigia representação apenas por parte da vítima em casos de lesões leves provocadas por atos de violência doméstica. O placar foi de dez votos a um.
A maioria dos ministros afirmou que uma mulher agredida normalmente tem o próprio companheiro como algoz e, por receio de represálias, deixa de registrar ocorrência por atos de violência. Por isso, seria uma afronta ao princípio constitucional da dignidade humana obrigá-la a fazer a representação para que o agressor tivesse alguma chance de ser punido.
Os ministros citaram o artigo da Constituição Federal que dá ao Estado a tarefa de criar mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações familiares. Por isso, a intervenção do poder público nessas relações seria permitida. Segundo o relator, ministro Marco Aurélio, as mulheres desistem das queixas em 90% dos casos de lesões corporais leves. Segundo ele, na maior parte das vezes, isso ocorre porque a mulher acredita na possibilidade de mudança do agressor, mas termina em reincidência da agressão.
“Não se coaduna com a razoabilidade deixar a atuação estatal a critério da vítima, cuja expressão de vontade é cerceada pela violência, que provoca o medo de represálias”, disse o relator.
O presidente do STF, ministro Cezar Peluso, foi o único a votar pela manutenção da regra que permite a notificação da agressão apenas pela vítima. Segundo ele, a mudança poderia deixar o agressor ainda mais enfurecido e determinado a maltratar mais a companheira. Além disso, Peluso argumentou que terceiros não costumam saber dos detalhes das agressões, que ocorrem normalmente entre quatro paredes.
“Isso pode desencadear maior violência do parceiro ofensor. Acirra a possibilidade dessa violência, porque ele sabe que estará sujeito a uma situação de impossibilidade de atuação. Ele pode tomar uma atitude de represália mais violenta contra o fato de ter sido processado por uma lesão leve”, disse o presidente da Corte.
Na mesma sessão, o tribunal manteve válidos os demais artigos da lei, no julgamento de outra ação proposta pela Presidência da República, ainda na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva. O pedido era para que a lei fosse declarada constitucional, para que não houvesse risco de ela deixar de ser aplicada por suposta violação ao direito da igualdade entre homens e mulheres. Todos os integrantes do tribunal afirmaram a importância da Lei Maria da Penha para corrigir a desigualdade histórica entre os gêneros no Brasil.
“A Lei Maria da Penha retirou da invisibilidade e do silêncio a vítima de hostilidade ocorrida na privacidade do lar e representou movimento legislativo claro no sentido de garantir a mulheres agredidas o acesso efetivo à reparação e à justiça”, afirmou o ministro.
Com informações do O Globo